sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Plano carnal para hoje à noite: de-cli-na-ções e raiz quadrada do perímetro assombroso de ti. Mul-ti-pli-ca-ção dos ângulos internos de nós reduzida ao quociente irracional do nosso toque. Ou-to-no cerrado na divisão destas paredes hoje tão eternas. Con-tem-pla-mo-nos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Diário da minha existência

Jaz aqui. Nada mais houve na minha vida para além de mim e deste diário.


Foi um terrível azar cósmico que me trouxe até aqui: trouxe-me sem antes me perguntar se eu queria vir. Trouxe-me e deixou-me sozinho com o meu próprio corpo. Trouxe-me apenas. Varreu-me do nada de mim, gás, pó, excrementos, e esculpiu-me, em formas curvilíneas, numa pirâmide de ossos e sangue e vértices miseráveis.


E existi só. Sentei-me em frente a mim e observei a minha respiração descontínua, o amontoado de fios e cartilagens e tendões que se entrecruzam e ligam para suportar este corpo tão pesado de mim. Ouvi-me. Toquei nas minhas mãos firmes de crueldade e senti a vida toda a passar ali sem pressa.


Fui um corpo morto de mim com desejos alheios do mundo. Passei-me pela terra, corri-me da humanidade, parei-me em frente à quietude perturbante. Falsifiquei notas, roubei um ladrão, peguei fogo a um piromaníaco, prostitui uma puta, fumei um rastafari, burlei um vigarista e matei um assassino.


Sustentei-me sempre dos bolsos alheios daqueles que foram trazidos pela sorte cósmica. Nunca precisei de ordenar o meu corpo para que ele se mexesse, nem para procurar o sexo em esquinas diferentes, nem para acender outro cigarro, nem para voltar a ouvir um piano.


E deste lado de cá continuo a observar-me. E as formas curvilíneas continuam lá, um pouco mais arredondadas e doentes. As minhas mãos estão trémulas e gastas de tantas tentativas de sobrevivência. Insisti-me mais uma vez, mas a minha voz está fraca. Os ossos estão quebráveis e o sangue secou de vez.


Visto-me o corpo todo de uma última beleza erótica, enfrento-me e mato a alma deste desalmado.
Fuma lá o cigarro que consomes com os dedos e os dentes e os lábios e a língua e o corpo imenso Bebe lá o resto do vinho que te ensopa o sangue e ignora a existência Cospe lá essa inocência medíocre asquerosa néscia Veste lá o teu corpo de convalescança Pensa lá no sentido erótico das nuvens que passam no céu Fala lá com as palavras que roubas ao naufrágio do tempo Pinta lá a tua loucura na parede e o esperma no tecto Sente lá o carvão do lápis a invejar-te a vida Mata-te também

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"Há-de haver uma razão para a estupidez não ser estúpida e a vida meter o meu desastre na sua economia", V.F.

domingo, 25 de setembro de 2011

Vejo, através do meu reflexo,
Histórias de travancas,
Reais e surreais.

Oiço, entre as vozes,
Em súplicas convalescentes,
Ordem para a vida
Aqui e ali.

Inspiro aversão e desejo.
É tão afável e repugnante
Como o regresso de heróis,
Mortos em séculos.

Saboreio o omisso.
E peço-o novamente,
Partilhando-o,
Em função do que é conveniente.

Mas não sinto nada.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Xadrez

Nas ruas dos pretos vives ausente dos pássaros que pousam nos galhos das árvores mais admiradas desta cidade Sempre que sais atrás dos ventos frescos que asseiam os becos ficas consciente dos que respiram o mesmo que tu Estás tresmalhado espalhado desaparecido Não sabes o que são os pássaros não viajas atrás da chuva e não ouves as trovoadas Morres assim sem saber esperas com os olhos abertos ficas estático chamas as primaveras e as noites de brisas que refrescam acordas ausente de ti nessa rua de pretos onde só tu sabes sentir assim lenha a queimar e o sangue a passar que não espera por ti Falas de músicas e finges porque tu não sabes falas da história dos monges e mentes porque tu nunca percebeste Calas finalmente e todos percebem que eras tu e o teu silêncio e os pretos são os restantes deste jogo de xadrez em que o rei é o teu mais (in)fiel amigo e tu és o peão branco baço transparente até