terça-feira, 13 de março de 2012



Lix(o)boa
Há dias que transpiram feridas. Há corpos vestidos que se ferem. Há a tua voz que se veste na minha pele. Há a pele fria da chuva. Há a chuva caída dos braços do céu. Há os teus passos que caem envenenados. Há ruas passadas por gritos. Há ruelas que nascem de abismos. Há um temporal abismal. Há o tempo apertado no meu bolso. Há um aperto de mãos. Há todas as mãos que se desconhecem. Há um desconhecido que nasceu num poema. Há poesia que hiberna na Primavera. Há o museu primaveril de todas as coisas. Há o museu do teu corpo. Há corpos que se contemplam. Há a contemplação das varandas desnudadas. Há paredes nuas. Há pensamentos nas paredes. Hás tu a pensar num fim. Eu a ser uma folha. Há o metro em folhas e aço. Há um metro de guerra à minha volta. Há uma batalha de diálogos fingidos. Há dias proibidos.

Tenho a vida inteira numa gaveta e o corpo espesso e comprido desfeito em cursos de areia O outono desenha-me incêndios na pele abreviada de luz e certezas As entrelinhas da cidade são a fronteira do meu corpo perdido em ruínas e museus Semeio dias nas noites apressadas de princípios e de cigarros Fingi as palavras e o escuro Adormeci em metamorfoses de gestos e de esperma Há confissões escritas em ossos e mármores Segredos Desertos de mentiras e encruzilhadas Há vestígios do sol presos na pele do passado e o medo nos meus dedos Horas secretas de carne e de sangue na verdade primordial Fingi a sentença poética dos meus versos Fugi da sepultura do corpo e da vida Ficam a escravidão e as palavras onde eu me apressei a ser
Os relógios são o refúgio abalado que se procura entre o tempo imóvel São pedras pintadas de tamanha quietude movediça com os ponteiros alvejados ao mais inevitável crime de palavras Teatro etéreo de fogo e de mar Tragédia de eclipses e personagens imaginárias Refúgio de gritos desassossegos fados A-tensão: -) a tragédia está no último acto e as personagens esqueceram-se de morrer
O mundo repousava O infinito residia ali: na extensão dos nossos corpos a unirem-se num abraço O infinito acabava ali: entre dois corpos que sabiam o que era sentir o mundo sem a bússola para a eternidade